Entrevista concedida (2010) à Elisabete Val de Casas Pimentel para sua pesquisa sobre Alfabetização e Letramento, para monografia no curso de especialização.
Entrevista com Amanda Guerra, professora alfabetizadora da rede municipal do Rio de Janeiro e de Duque de Caxias, há onze anos atua com turmas do Ciclo de Alfabetização. Amanda é bacharel e licenciada em História pela UFRJ. Formou-se no Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (2005), Pró-letramento- alfabetização e linguagem (2009) e atualmente cursa o programa Alfaletrar e especialização em Orientação Educacional e Pedagógica (UCM).
Entrevista com Amanda Guerra, professora alfabetizadora da rede municipal do Rio de Janeiro e de Duque de Caxias, há onze anos atua com turmas do Ciclo de Alfabetização. Amanda é bacharel e licenciada em História pela UFRJ. Formou-se no Programa de Formação de Professores Alfabetizadores (2005), Pró-letramento- alfabetização e linguagem (2009) e atualmente cursa o programa Alfaletrar e especialização em Orientação Educacional e Pedagógica (UCM).
1- Você já atua há onze anos com alfabetização, você sempre trabalhou na mesma linha pedagógica?
Não. Quando ingressei no magistério, apesar de não me sentir à vontade trabalhando de forma tradicional, não tinha conhecimento teórico suficiente que embasasse uma mudança na minha prática. Era contra o uso da silabação, treino ortográfico, cópia, memorização, pois achava que não contribuía para uma alfabetização significativa, mas em contra partida, não tinha a mínima ideia do que fazer para ser diferente.
2- O que fez você mudar sua prática?
Ter compreendido a lógica que existe por trás do que antes imaginava ser apenas um erro do aluno. Ter entendido que existia uma grande reflexão acontecendo diariamente na minha sala de aula e eu não tinha ideia disso. Senti como se estivesse enganando meus alunos, como um cardiologista que não soubesse como as válvulas funcionam. A partir deste dia não aceitei mais nenhuma prática que julgava errada e mergulhei com muito afinco no estudo sobre a Psicogênese da Língua Escrita.
3- Num país, como o nosso, castigado pelo analfabetismo, mudar a mentalidade dos professores e gestores ainda é muito difícil?
Ainda é muito difícil. Apesar de sermos um país castigado pelo analfabetismo desde sempre, não temos uma perspectiva histórica disso. Nos vendem a ideia de que antigamente era melhor, de que a família é culpada pelo fracasso escolar, de que o aluno “não quer nada”; e acreditamos, pior, reproduzimos. Além do mais uma mudança na nossa prática, significa, antes de tudo, admitirmos que temos feito algo de muito errado há muito tempo. A posição confortável de detentor do conhecimento que deve ser transmitido aos alunos é algo que poucos estão dispostos a perder. Além disso, existe um grande número de mentiras que circulam sobre o construtivismo (que o aluno fica abandonado aos seus erros, que faz tudo sozinho em sala, que não é preciso corrigir, que não se trabalha com conteúdos, que a sala de aula vira uma bagunça) e por uma falta completa de investimento em formação de qualidade para os professores, essas mentiras se perpetuam.
4- Pelo seu currículo, podemos verificar que você está sempre envolvida em cursos de capacitação, certamente você considera atualização fundamental. Que outros fatores podem influenciar no desempenho de um Professor Alfabetizador?
Acredito que a formação continuada é imprescindível para o desempenho de qualquer professor, além disso, acredito que uma prática planejada e refletxiva é o complemento natural dessa formação. O estabelecimento de parcerias com outros professores que trabalham na mesma linha é fundamental para o bom desempenho: trocar ideias, tirar dúvidas, pensar junto, na verdade, a construção do conhecimento se dá também pelo professor em turma, com a turma e com seus pares, a partir da reflexão constante sobre as atividades, intervenções e retorno dos alunos.
5- Quais são as principais dificuldades para que os professores sigam a linha Sócio-Construtivista?
A primeira é a falta de formação, mesmo com boa vontade, sem a mudança teórica não há mudança prática. A inquietação diante da turma é um primeiro passo, mas se não há embasamento teórico, continua-se só no primeiro passo e corre o perigo do professor ficar “amargo”, “reclamão”, sabe que tem alguma coisa errada, mas, não sabe o que fazer para mudar. Por isso acho, de coração, que devemos emprestar nossa voz, nosso fazer pedagógico, de modo que mais e mais professores acreditem que é possível. Outra dificuldade é a falta de um coletivo nas escolas que auxilie esse professor que quer mudar sua prática, é importante que os problemas de alfabetização sejam amplamente discutidos nas escolas e que as dúvidas, as “dicas”, as ideias, sejam socializadas. E em casos mais extremos, mas infelizmente, não raros, os professores encontram dificuldades em realizar um trabalho dentro da perspectiva sócio-construtivista por que esbarra com a intolerância de gestores e orientadores.
6- As turmas de Ciclo de Alfabetização certamente são bastante heterogêneas, como o professor deve proceder para que, apesar disso, todos os seus alunos caminhem?
Conhecendo o que os alunos pensam sobre a escrita e leitura, só assim poderemos elaborar atividades desafiadoras, intervir de acordo com as reflexões de cada um, planejar os conteúdos trabalhados, formar duplas de trabalho para que os alunos possam interagir de maneira produtiva. O professor deve sempre compreender que, dependendo da hipótese de cada aluno, o que vai ser exigido, pedido, é diferente. Acompanhar o processo de construção do conhecimento da turma através de diagnoses periódicas e atividades significativas, é imprescindível.
7- O que deve fazer parte da rotina diária de um aluno de Ciclo de Alfabetização?
Para ler e escrever é preciso ler e escrever. Parece óbvio e até “bobo” dizer isso, mas não é. Durante muito tempo os exercícios utilizados nas cartilhas baseavam-se em cópia e discriminação visual. Uma rápida análise comprova isso. Para que o aluno seja alfabetizado, é preciso proporcionar, diariamente, momentos em que ele vai escrever e ler, mesmo que ainda não o faça convencionalmente. Além disso, é preciso que o professor torne-se um exemplo de leitor e escritor. Na rotina diária devemos garantir um momento onde o professor vai ler para seus alunos pelo prazer de ouvir um bom texto; um outro momento onde o professor será o escriba da turma para o registro escrito de suas ideias sobre um assunto debatido, ou uma história criada; o aluno deve poder desenvolver as estratégias de leitura através de atividades que proporcionem a reflexão sobre o que está escrito e o como se pode ler; o aluno deve, diariamente, poder escrever dentro de sua hipótese de escrita e ser questionado de modo que possa desestabilizar-se até a formulação de hipóteses mais complexas.
8- Ainda existe resistência dos pais e cobrança em relação a antigos conteúdos como: separação de silabas, classificação silábica, classificação tônica,...?
Claro que sim. Existe a resistência de professores, orientadores e gestores, como não existiria dos responsáveis? Aprendi durante esses anos trabalhando com turmas de alfabetização e aprendendo muito com os alunos, que quando estamos seguros de nossa prática, conseguimos defendê-la sempre. Tento sempre começar o ano letivo, principalmente com turmas do 1º ano do Ciclo de Alfabetização, esclarecendo aos responsáveis algumas das minhas práticas. Também me coloco a disposição para tirar dúvidas, nas reuniões de responsáveis trago produções dos alunos e também mostro os port-fólios com o desenvolvimento da escrita dos seus filhos. Acompanhar a turma durante todo o ciclo é também uma prática importante. Pode parecer até estranho, mas a maior resistência é dos professores e não dos pais.
9 - Em geral, você consegue perceber diferenças entre as produções textuais de um aluno alfabetizado com os antigos métodos e a de um aluno que foi alfabetizado na proposta Construtivista? Quais são as principais diferenças que você observa?
Muitas diferenças, a primeira e, para mim, a mais importante, é a ausência do medo da escrita. Como eles não carregam o peso da ideia de certo e errado na sua escrita, ousam utilizar todas as palavras que gostariam em sua produção e só isso já seria um grande salto de qualidade nos textos, mas tem mais: com as práticas cotidianas de leitura e escrita e a utilização de textos socialmente utilizados no seu cotidiano, os alunos escrevem histórias ricas em detalhes, informações, criatividade. Como nunca ouviram histórias do tipo “O gato é bonito/ o menino é bonito/ a casa é bonita” não produz textos assim. Além disso, utiliza expressões e conectivos de forma muito mais rica que os alunos alfabetizados a partir de métodos tradicionais.
10- E em outras áreas pedagógicas (socialização, interesse em leitura,...) existem também diferenças significativas?
Sim. De uma forma geral eles aprendem a interagir de verdade. As atividades são planejadas de forma que eles possam trocar ideias entre eles, no coletivo ou nas duplas e grupos de trabalho. Então desde muito cedo, eles entendem que o conhecimento é coisa preciosa para ser construída com os amigos, e de maneira generosa, aprendem a ajudar uns aos outros. Como participam de atividades de leitura diária, os alunos desenvolvem o prazer de ler, conhecem autores, ilustradores, começam a diferenciar estilos e gêneros. Uma outra área que também é desenvolvida é a autonomia, o aluno sente-se responsável pelo seu trabalho, pela sua produção, em geral, há um interesse maior pelas atividades pois são mais interessantes, divertidas, significativas, desafiadoras
11- O que você diria para um professor, que como você no início da carreira, não estivesse satisfeito com a prática?
Tentasse compreender onde está o ponto desta insatisfação, onde se encontra a raiz do problema. Se for um problema de concepção teórica, busque a mudança. O professor precisa ousar, acreditar e perseverar.
5/08/2010